Em 18 de agosto de 2024, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará, em Belém, ocorreu a abertura do primeiro workshop do projeto Centralizando a construção de acordos climáticos na e a partir da Floresta Amazônica (CAMAMAZON), financiado pela British Academy.
Nesse projeto, estamos acompanhando a atuação da presidência brasileira da COP30. Esse evento é um marco para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que teve início no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. É a primeira vez que as negociações climáticas globais serão realizadas na Floresta Amazônica. Isso representa uma oportunidade única de documentar como a floresta é mobilizada em estratégias políticas locais, nacionais e internacionais para moldar a resposta coletiva. Os resultados e reflexões decorrentes dessa pesquisa serão usados como base para reconceituar o estudo das Relações Internacionais a partir da floresta e para a floresta e seus povos.
Para alcançar os objetivos do projeto e dar seguimento às suas atividades, foi organizado um workshop que mobilizou diferentes atores. As integrantes da equipe, Marcela Vecchione-Gonçalves e Veronica Korber Gonçalves, convidaram representantes de organizações locais e nacionais para participar, de forma que atuassem como intermediários entre o projeto e suas respectivas organizações, e ajudassem a identificar interesses e preocupações coletivas sobre a Amazônia, as mudanças climáticas e a COP30, para a elaboração do projeto de pesquisa e para os valores que o fundamentam. Foram convidados: Auricelia Arapiun (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB), Dr. João Nackle Urt (Ministério dos Povos Indígenas; Universidade Federal de Roraima), Professor Francisco de Assis Costa (NAEA – Universidade Federal do Pará; Painel Científico para a Amazônia – SPA) e Matheus Botelho Braga, Kimberly Silva e Neil Soares Maré Cheia (COP das Baixadas).

Matheus Botelho Braga, Neil Soares Maré Cheia e Kimberly Silva (COP das Baixadas).
Logo no início do workhop, o projeto foi confrontado com a realidade violenta e do dia a dia enfrentado pelas lutas indígenas na Amazônia. Infelizmente, recebemos uma mensagem de Auricelia dizendo que ela não poderia se juntar a nós porque sua casa havia sido atacada e ela estava mudando sua família para um local seguro. O ataque foi provavelmente uma intimidação política por sua candidatura nas eleições locais. O choque desta notícia trouxe à tona inseguranças presentes em cada um de nós. Um exercício de reflexão pessoal, conduzido pela nossa colega de equipe do projeto Erzsebet Strausz, permitiu que esses sentimentos profundos sobre a inadequação do trabalho acadêmico diante dessa luta fossem expressos. Após nossa primeira reunião conjunta, que foi bastante impactante e comovente, a preocupação central sobre como incorporar as perspectivas indígenas na co-criação do projeto permaneceu em pauta.
No segundo dia, tivemos as apresentações dos nossos colegas e, ao ouvi-los, fiquei muito impressionada com a riqueza e a diversidade de conhecimentos compartilhados, assim como com a forma estratégica com que esses conhecimentos foram desenvolvidos e aplicados. Nossos parceiros representantes da juventude – Matheus Botelho Braga, Kimberly Silva e Neil Soares Maré Cheia, membros da COP das Baixadas – , articularam a importância crítica de sua relação única com o rio e com as ilhas de Belém. Eles destacaram a necessidade de produzir materiais de conhecimento que legitimem sua participação nas discussões e negociações sobre adaptação climática em todos os espaços e níveis de ação política que atuam para moldar essa relação – da comunidade à COP30. Nosso parceiro representante da ciência, Professor Francisco de Assis Costa, ressaltou a inadequação dos modelos econômicos dominantes para analisar e compreender os diversos atores e processos que constituem a economia amazônica. Já nosso parceiro governamental, João Nackle Urt, descreveu como sua entrada no governo Lula representou uma oportunidade de praticar seus compromissos políticos. Como acadêmico com ampla atuação em questões indígenas, fazer parte do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas permite que ele contribua na formulação de políticas públicas e participe do debate público a partir de uma posição e perspectiva alternativas.
Para aqueles que vivem e trabalham no Brasil, e especificamente na Amazônia, o reconhecimento da importância de produzir, diversificar e agir com base em diferentes conhecimentos não é novo. Como Arturo Escobar (2008) documenta em relação à Colômbia, é necessário desafiar, a partir da periferia, os processos de dominação e criar projetos de vida alternativos. No entanto, para mim, como alguém que estudou o processo global de produção de conhecimento por meio do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), isso se destacou como algo único e essencial para tornar a ação coletiva mais reflexiva sobre a diversidade de modos de viver e conhecer. Essa diversidade ainda precisa ser adequadamente refletida na prática global de escrita sobre as mudanças climáticas.
A comunidade acadêmica de Belém já se mobilizou para produzir conhecimento sobre o processo de negociações para facilitar o engajamento comunitário e estudantil na política da COP30. Pesquisadores do NAEA e do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Pará (UEPA) participaram das sessões do workshop para garantir que os objetivos do projeto se alinhassem e apoiassem essas atividades.
Os resultados das discussões do workshop e as principais considerações para o desenvolvimento contínuo do projeto foram apresentados em um seminário de pesquisa departamental do NAEA. O seminário ofereceu a oportunidade para estudantes de graduação em Relações Internacionais e a comunidade acadêmica mais ampla, dentro deste centro crítico de estudos amazônicos, levantarem questões e contribuírem para a formação da estrutura emergente do projeto.
Somos extremamente gratos ao NAEA por sediar este evento e pela participação e contribuição de Sabrina Mesquita do Nascimento (NAEA, Universidade Federal do Pará), Nathália Tavares de Almeida (NAEA, Universidade Federal do Pará), Suenya Cruz (NAEA, Universidade Federal do Pará / Universidade Federal Fluminense), Tienay Picanço (Universidade Estadual do Pará (UEPA)), Brenda Costa (Universidade Estadual do Pará (UEPA), Mayane Bento Silva (Universidade Estadual do Pará (UEPA).

Ao final do workshop no terceiro dia, Marcela organizou uma visita à comunidade Pirocaba – Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos do Pirocaba (ASAPAP). Esse momento abriu o projeto para o último pilar de sua constituição: garantir que a relação com a floresta – e sua defesa como território, como comunidade viva e como modo de sustento – seja fundacional ao projeto, às suas relações colaborativas e ao seu pensamento e prática coletivos. Esta viagem nos permitiu encontrar membros da comunidade, compartilhar nossas trajetórias e esperanças para nossos projetos, e caminhar pelos parques e aprender sobre seu papel na construção e proteção da comunidade contra ameaças constantes. Daniela Araújo, a líder comunitária, falou sobre as práticas ecológicas que desenvolveram para cultivar e cuidar da terra e como elas mudaram suas relações familiares e comunitárias. As ameaças são constantes: a construção de um porto, a contaminação da água e a luta para garantir que o governo local continue comprando a merenda escolar. Mas, diante dessas batalhas diárias, um projeto de vida se concretiza. Quando soube da violência que impediu Auricelia de vir ao workshop, tive dificuldade em compreender a dimensão real dessa luta. E ali, novamente, com os pés na terra, eu senti um senso de comunidade e uma força que nunca havia conhecido antes.

Referência:
Escobar, Arturo. 2008. Territories of Difference: Place, Movements, Life, Redes. Duke University Press. doi:10.1215/9780822389439.