A Arte de (não) negociar negociando

Do Reno ao Guamá, as águas são turbulentas para implementar o Acordo de Paris

Marcela Vecchione-Gonçalves, @marcelavecchione, marcela.vecchione@gmail.com


Acompanho as Conferências do Clima, e suas subsidiárias, desde 2009, em Copenhague.
Só que desde 2019 eu não ia às Conferências. Isso se deu por razões várias: descrença,
raiva, repúdio, escassez de recursos. Como alguém que prefere analisar com pincéis
finos (thin) em vez de com pincéis grossos (thick) os processos de construção e tessitura
da política climática, a distância de cinco anos – com uma pandemia no meio da qual
parece a maioria já se esqueceu, ainda que com sua estrita relação com a devastação e
degradação ambiental e a consequente emergência climática -, até que o espaço de
tempo não foi mau para buscar entender como se assentou o Reset Global pós-
pandêmico no jet set do clima.
O fazer do mundo (e de mundos) permeados pela emergência climática, um dos
enquadramentos globais mais utilizados para contar nossas histórias do presente, ganhou
mesmo tração no pós-pandemia. Os pincéis finos e a institucionalização thin do acordo
vão mostrando isso. É fato. Mesmo que as guerras comerciais e bélicas stricto sensu
tenham tirado um pouco a centralidade da canalização financeira desse fazer de mundo
climático, os investimentos cruzados em recuperação verde da economia e na escalada
bélica e tecnológica não se distanciam; muito pelo contrário. Isso pode ser constatado
pelo relatório “From Economy of Occupation to Economy of Genocide, elaborado pela
Relatoria Especial da ONU, Francesca Albanese.
Lançado dez dias após o término das negociações em Bonn, na Alemanha, o relatório
disseca como uma economia de restauração, agricultura de precisão e ocupação militar e
expansionista são intrinsecamente conectadas.

Membros da Sociedade
Civil protestam em frente a World Conference Centrer em Bonn, sob o lema “Não há
Justiça Climática sob Ocupação”.

Assim, o quadro que se pintou durante a SB62 foi ao mesmo tempo reflexo (imagem) da
ecologia mundo que compõe nossas cores do agora, somado de uma sombria, embora
esperada, distância moral e política das atitudes almejadas em uma conferência que
discute o futuro e um enquadramento possível para implementar aquele considerado o
principal pacto social global contemporâneo, qual seja, o Acordo de Paris.
Pronunciamentos iniciais na discussão de agenda das negociações de Bonn, ainda nos
dias 16 e 17, deixaram evidente que a questão Palestina não seria uma questão em
Bonn. A razão expressa para isso era por ali ser o quartel general da Convenção Quadro
das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, um lugar para as soluções
concertadas de âmbito técnico e, não, político. Com isso, o secretariado da UNFCCC teria
que manter a neutralidade política na condução das negociações técnicas. Um
posicionamento que já é político em si e por si, como o carbono que saem das grandes
corporações transnacionais que dizem ser neutro (e apolítico). Em movimento contrário
ao que cobraram algumas partes negociadoras, especialmente o Grupo Árabe e alguns
países do grupo de Like Minded Development Countries (LMDC) e, especialmente, a
constituency de não-partes, como são organizações não-governamentais e movimentos
da sociedade civil, que, na realidade, são partes cada vez mais relevantes no
monitoramento de processo das pré-negociações e negociações, a Palestina, os
orçamentos de e investimentos em guerra e suas consequências climáticas não

receberam atenção na agenda técnica do clima. As comunidades epistêmicas eram
diferentes – mas, nem tanto. Só que o mundo em chamas e a degradação humanas são
no mesmo planeta, embora com apreços distintos a humanidades que não ocupam o
mesmo lugar no sentido da urgência. Da vida e do clima.

Membros de Organizações Não-
Governamentais Ambientalistas (ENGO) e da Cúpula dos Povos se manifestam na
Plenária de Encerramento sobre a estreita conexão entre o genocídio em Gaza e a
catástrofe climática.

Para jogar uma cor (cinza) na minha aquarela impressionista de Bonn, peguemos o pincel
grosso, do qual não sou muito afeta, mas que ajuda a ter as primeiras linhas de base do
quadro político de Bonn. Para tanto, vou seguir lembrando, porque às vezes é importante
ser repetitiva: ainda que o secretariado tenha dito que a questão palestina não é questão
climática, justo pela SB62 ser técnica, e com cada vez mais partes interessadas
desenhando a linguagem desta técnica, trata-se de um evento eminentemente político.
Mais que isso, a política se intensifica dia-a-dia na lógica política privatista do
multistakeholderism – tendência de negociar e tratar politicamente a política pública
internacional como política de acionistas e de partes interessadas. Trata-se também de
um evento estético e de performance, onde as posições são marcadas e traços são
deixados e articulados, para que construam alianças a fim de que definições sejam
performadas e finalizadas na COP, que dessa vez quando for 30, será nos Trópicos, na
floresta, na Amazônia. Uma performance a mais para novembro de 2025.

Assim, a disputa Norte-Sul esteve presente em Bonn lembrando o cenário tenso de
Copenhaguen, pós crise financeira global dos sub-primes em 2008, com a terra e as
florestas entrando no centro dos investimentos e compensações, e distanciando-se do
futurismo otimista (fracassado pela Decisão de Capa) de Glasgow, de fim da pandemia,
em 2021. Em certa medida este fracasso – da negociação com base no Acordo – foi
também vitória que recuperou a mundificação da Nova Economia do Clima (New Climate
Economy), lançada em 2018, na COP de Katowice, na Polônia, que consagrou o lugar
das Cadeias Globais de Valor e das emissões de escopo 03 como a base da economia
líquida do carbono, e de iniciativas e ações climáticas para fazer o que o Acordo “não dá
conta de fazer com rapidez”. Teve isso de novo em Bonn. Sob as cores de fundo da
estrutura política de poder, a disputa esteve presente desde a construção da agenda até a
como itens de negociação, que não seriam diretamente negociados, entraram na
negociação. Tal foi o caso da agricultura e dos sistemas agroalimentares, da energia, das
florestas e do próprio financiamento, sem de fato se prover as conexões com modelos de
apresentação para as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), e sua relação
com os Biennial Transparency Reports (BTRs).

Em evento, Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) apresenta modelo para aumento de
ambição nas NDCs 3.0.

Os últimos são importantes instrumentos de monitoramento, que devem ser acertados em
suas bases, para a garantia da democracia e da transparência na circulação dos
Resultados de Mitigação Transferidos Internacionalmente (ITMOs). Você pode achar que
essas siglas não tem nada a ver com a sua vida. Mas, elas têm. A depender da maneira
que comecem a ser usadas por iniciativas de cooperação internacional, circulação global
de commodities ou mesmo na forma que empresas possam continuar operando e sendo
licenciadas, além de financiadas, o Acordo de Paris pode se tornar um grande veículo de

flexibilização ao contrário de ferramenta jurídica internacional para a redução das
emissões globais de gases de efeito estufa. Ademais, se tudo for transformado e contado
como ITMO, dificilmente chegaremos a uma transição realmente justa, a partir da
imaginação de outros modelos de produção e reprodução social globais, regionais,
nacionais e territoriais.

No coração da disputa em Bonn esteve não só o financiamento e o quê e como conta
como mitigação, mas também a garantia à adaptação, considerando as responsabilidades
históricas, porém, diferenciadas, e a transferência de tecnologia, e todas as suas co-
dependências, incluindo a patenteabilidade e condicionalidades na negociação do
Mecanismo de Transferência de Tecnologia e do próprio Estoque Global (Global
Stocktake). Somado a esses fatores, esteve o embate mais importante da implementação
do Acordo de Paris, o que se dá entre prover e mobilizar recursos, incluído na agenda de
financiamento. A tênue linha entre provisão e mobilização, marcadora de uma abissal
diferença nas relações políticas, econômicas e ecológicas globais, refere-se ou a ser
instrumento de provisão de recursos e tecnologia na institucionalidade do acordo para
garantir a distribuição e isonomia para o cumprimento das Contribuições Nacionalmente
Determinadas (NDCs); ou a mobilizar recursos por plataformas, ações, inciativas e
instrumentos financeiros, a médio e longo prazo, rumo a investimentos dotados da crença
na rentabilidade da mitigação e da adaptação, chegando-se apenas dessa forma (pela
rentabilidade) ao cumprimento dos objetivos do Acordo. Na abissal diferença residem as
evidentes, embora sempre varridas para baixo do tapete no contexto da emergência
climática, distinções entre financiamento e financeirização, entre compromissos de
redistribuição e reparação, e concentração das ações na aposta e no risco, para garantir
equilíbrio climático. Agenda última essa nem sempre condizente com a justiça climática.
A justiça climática, nesse caso, não é exatamente o principal interesse dos países que
deveriam ser os maiores provedores de recursos. Muito embora garantia e promoção de
justiça, em todos os seus eixos, com base nos direitos humanos diferenciados por
contexto e assimetria na urgência de sua promoção e garantia, sejam os pilares de
qualquer convenção e tratado do Sistema ONU, incluindo aí o sistema de convenções
ambientais de 1992. A emergência climática e seus impactados tem esbarrado em seus
descontentes. Signatários do Acordo de Paris tem se esforçado por revisar um texto já
aprovado em vários dos itens de agenda para montar os documentos de negociação para
a COP 30. A sensação de que havia um revisionismo do Acordo do Clima que apertava
meu coração desde 2018, confirmou-se em Bonn.
Foram abundantes as menções às Soluções Baseadas na Natureza, mobilização de
financiamento em oposição aos instrumentos garantidos e concessionais, negociação e
oportunidade com territórios, em vez de garantia de direitos territoriais e cumprimento do
acordo por meio de sua adjudicação com financiamento e estrutura garantida para a
mitigação, adaptação, perdas e danos, e eliminação (phase-out) dos combustíveis fósseis
e de energias de alto impacto e risco de exploração, como as nucleares ou mesmo os
biocombustíveis. Como visto pelos três itens de agenda de Bonn dedicados ao Artigo 06
(6.2, 6.4 e 6.8 – o último sobre aproximações de não-mercado), enquanto o Artigo 09,
sobre financiamento, sucumbe em uma crise sem fim em que os países do Norte não
querem se comprometer a prover recursos ou construir capacidades, esse mesmo Artigo
06 representa um contexto de expansão do mercado no investimento e no desenho de
políticas públicas como soluções baseadas em sua prórpria natureza: de mercado. Em
muitos casos, esse contexto criou elementos e artifícios de aceleração da negociação,
mas sem, de fato, tomar e reforçar compromissos previstos e negociados em encontros

anteriores, o que passou a ser palco político inteligentemente performado pelo Países em
Desenvolvimento que Pensam Parecido (os Like Minded Developing Countries),
atrasando a mesma negociação.

Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Co-facilitadores da negocociação do Artigo 06 apresentam panorama para a
implementação do artigo.

Planos de Trabalho e iniciativas mandatadas de negociação, como é e foi o caso do Plano
de Trabalho de Sharm-el-Sheik para Mitigação, deixaram evidente a apresentação de
instrumentos de revisionismo e, não, de implementação do Acordo de Paris. Rediscutir
direitos e obrigações por estratégias diversas – quase sempre de mercado e com
processos tecnológicos que buscam despolitizar a disputa- me pareceu ser o maior dos
movimentos incidentais em Bonn. A defesa do Acordo na COP 30 e de uma democracia
nas negociações com base no multilateralismo e na defesa dos princípios do Acordo
como via para pensar a própria democratização (e salvação) do Sistema ONU parecem
ser questões urgentes para Belém. Tão importante quanto acelerar a implementação do
Acordo é garantir que direitos sejam garantidos e não violados nesse processo. A floresta,
seus habitantes e seus defensores não podem arcar com mais essa ameaça e,
especialmente, não podem ser os principais e únicos provedores das oportunidades para
a garantia do equilíbrio climático, quando a injustiça climática é uma realidade cotidiana.
Não podemos exigir dos povos da floresta, dos campos, das águas e do Sul Global o
trabalho de prover as soluções para problemas que não criaram. Também não podemos
enquadrar seus direitos e seus modos de vida como oportunidade. Revisar e flexibilizar
princípios do acordo, além de negociar por fora compromissos de cumprimento que não
poderão ser cobrados, inclusive pelas próprias pessoas dos territórios, pode não ser um
caminho seguro e transparente para a proteção e garantia da justiça climática aterrissada
nas realidades territoriais.

Após não atingir conclusão para
encaminhamento do texto de negociação do Plano de Trabalho de Sharm-el-Sheik para
Mitigação, negociadores separam-se em grupos para chegar a consenso.
Apresentação em evento paralelo (Side Event) na
SB62 sobre defensores ambientais e justiça climática.

Alguns povos e comunidades já perceberam isso em seus territórios e tem construído
diplomacias outras fora das alternativas infernais que vem sendo apresentadas nas
negociações dos itens 6.2 e 6.4 do Artigo 06. No caminho de Baku para Belém, algumas
relações terão que ser discutidas, por mais desgastante que as DRs possam ser. As
águas turbulentas do banzeiro fazem parte da maré grande chegando no rio. Fingir que o
banzeiro não existe não impede que o barco vá para o fundo. O barco pode até ser
elétrico, ter placa solar ou ser movido por biomassa, mas a força da maré é inescapável.

A equipe da CAMAMAZON reflete sobre suas experiências no SB62 em Bonn

Em junho, a maior parte da equipe do projeto CAMAMAZON viajou para Bonn para a 62ª reunião dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ou SB62. Neste blog, Matthaeus, Hannah, Veronica e Cristina refletem sobre a experiência que viveram.

Matthaeus

Eu fui até Bonn, na Alemanha, para participar da SB62 com três objetivos bem claros: refletir sobre minha dissertação de mestrado, escrever e acompanhar de perto como a presidência da COP30 está se preparando. Além disso, queria entender de forma prática como funcionam as negociações climáticas dentro da UNFCCC.

Durante uma semana intensa, participei de discussões sobre temas fundamentais como transição justa, igualdade de gênero e os relatórios do IPCC. Foi uma oportunidade valiosa para observar de perto como essas conversas acontecem: os interesses dos países, as tensões, os avanços — e, claro, os impasses.

Um dos momentos mais marcantes foi acompanhar os debates sobre gênero. Diversos países apresentaram visões muito diferentes sobre o tema. Ainda que o diálogo tenha sido rico, infelizmente a negociação não chegou a um consenso e foi adiada para a semana seguinte, quando eu já não estava mais lá.

Rotina diaria na fila para o Jantar na Climate Camp em Bonn.

Mas nem tudo aconteceu dentro dos corredores oficiais da ONU. Um dos espaços mais inspiradores da minha viagem foi o Climate Camp — uma iniciativa independente que reuniu jovens ativistas do mundo todo em um ambiente de acolhimento, troca e aprendizado. Participei de oficinas com a Marcele Oliveira (President of Youth Climate Champion), no evento sobre Multirão, conversei com pessoas incríveis, compartilhei experiências e, de bônus, jantei de graça todos os dias. Foi um espaço vivo, de resistência e conexão verdadeira.

Outro momento especial foi a conversa entre a presidência da COP30 e representantes da sociedade civil brasileira. Fiquei impressionado com a abertura para o diálogo. Não sei se outras presidências da COP costumam fazer isso, mas essa escuta ativa me passou uma sensação real de inclusão.

Uma fala que me marcou veio da ministra Sonia Guajajara, que está preparando jovens indígenas para atuarem na COP30 e trazer mais inclusão para as negociações e para o Brasil e também para fora do país.

Acredito que o Brasil tem tudo para assumir um papel de liderança na COP30, principalmente por ser o país anfitrião. Ainda que os avanços até agora sejam pequenos, são sinais importantes de esperança. Enquanto eu escrevo esse blog, eu também estou escrevendo minha dissertação e como o Brasil tem tudo para ser um líder climático.

Hannah

Meu principal objetivo na SB62 foi desenvolver uma forma coletiva de trabalho na preparação para a COP30. Há dois elementos nisso. Primeiro: o que acompanhamos nas negociações que nos dará uma janela para a presidência e para os diferentes grupos de atores nos quais estamos focados, incluindo povos indígenas, juventude e ciência? E, em segundo lugar, até que ponto precisamos de uma forma compartilhada de trabalho e um marco para guiar nossa observação e análise? O marco de formação de acordos nos oferece uma maneira particular de pensar as negociações, mas ainda há trabalho conceitual a ser feito no projeto para identificar a que nos sintonizamos coletivamente ao acompanhar o processo e o raciocínio que o fundamenta. Uma das coisas que estive preparando foi uma tabela de diferentes saberes, e eu queria experimentar uma nova forma de tomar notas para testar se isso poderia ser uma ferramenta útil para nos sintonizar com, capturar e registrar os diferentes mundos que se cruzam e constituem esses eventos.

Veronica, Matthaeus e Hannah, conversando no jardim entre as sessões.

A segunda questão é o que acompanhar. Essa pergunta nunca sai da minha mente. Pode exigir muita energia para silenciar a dúvida insistente de que eu deveria estar em outro lugar, observando outra coisa. No entanto, uma vez que estou na sala, absorvida na negociação em andamento, essa dúvida geralmente se aquieta. Desta vez, isso foi facilitado pela carta da presidência da COP30 que identificou itens da agenda sobre o Balanço Global (GST) como prioridade para a SB62. O GST é um mecanismo de revisão realizado a cada cinco anos, criado no Acordo de Paris, para avaliar coletivamente a implementação do acordo e o progresso em direção à meta de temperatura de longo prazo. Assim, o GST é fundamental tanto para revisar coletivamente o progresso quanto para aumentar a ambição ao longo do tempo, já que o resultado de cada balanço global é projetado para “informar as Partes na atualização e ampliação” de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e “fortalecer a cooperação internacional para a ação climática.” Importante destacar que esse exercício de medição está ancorado na “melhor ciência disponível”, incluindo os relatórios do IPCC, que fornecem a referência para medir esse progresso.

Venho acompanhando o Balanço Global (GST) desde a COP27. O foco atual está em entender o impacto e o acompanhamento do primeiro GST e a negociação das modalidades para o segundo ciclo do GST. Nenhum desses itens foi concluído em Bonn, o que significa que em Belém as negociações continuarão, à medida que os negociadores buscam formas de superar grandes diferenças sobre como dar seguimento aos resultados do GST sem criar um processo de avaliação do próprio processo de avaliação. Como destacaram as negociações sobre o texto de Pesquisa e Observação, a ciência que informa as negociações da UNFCCC, como por exemplo o 17º Diálogo de Pesquisa ocorrido em 17 de junho, torna-se um local central de disputa, à medida que os governos buscam identificar e/ou obscurecer a ciência que tem potencial para exercer mais pressão ou que não se alinha facilmente com sua própria posição.

Mas, como Matthaeus, um dos aspectos mais agradáveis de Bonn foi o Climate Camp. Um dos objetivos centrais do projeto CAMAMAZON é facilitar maior compreensão e participação nos processos da COP como um espaço central de formação de acordos climáticos. O Climate Camp realmente contribui para esse objetivo – criando um ponto de encontro entre ativistas, pesquisadores e pessoas da cidade e da região local, incluindo aquelas apenas de passagem, para conversa e troca de conhecimentos sobre ação climática. Fiquei particularmente grata aos organizadores do workshop sobre o GST e do “Encontro de meio de caminho” por me darem a oportunidade de compartilhar sobre o que esse processo é e o que ele pode vir a ser.

Veronica

Foi a minha primeira participação nas chamadas “reuniões climáticas de junho” da UNFCC. Cheguei com o propósito de entender, na prática, como funcionam essas sessões, afinal, é ali que se moldam as pautas que estarão na mesa na COP30. Estabeleci dois focos principais para minha participação. O primeiro foi acompanhar de perto os movimentos da presidência da COP30. Queria entender quais eram suas prioridades, suas estratégias, como estavam se articulando nos bastidores. E, nesse processo, fui ouvindo e conversando com atores da sociedade civil, do governo e diplomatas. 

O segundo foco foi mergulhar na agenda sobre transição justa. Tentei entender como esse tema — tão essencial, mas ainda em disputa — está sendo tratado. O que se entende por “transição”? Quais são os pontos de convergência e onde as discordâncias ainda travam o estabelecimento de um plano de ação e de um mecanismo global (ou outro formato institucional) sobre transição justa? 

Imagem do ECO sobre a guerra no Iran.

Foram duas semanas intensas. Havia uma agenda intensa e um pano de fundo difícil de ignorar. O ambiente era permeado por tensões — os ataques de Israel à Gaza, a guerra na Ucrânia, o conflito Israel-EUA x Irã — que não apareciam explicitamente nas falas, mas estavam ali, no ar e nos cartazes e nas vozes da sociedade civil protestando do lado de fora. E foram justamente esses movimentos e organizações que ajudaram a lembrar o sentido de tudo aquilo. Em meio aos impasses diplomáticos, eles insistiam na centralidade da justiça climática. Reivindicavam a escuta real dos territórios, das comunidades impactadas. Lembravam que não há justiça possível sem o fim da exploração dos fósseis e a luta contra a desigualdade. 

Dentro das salas, os silêncios também falavam. A relutância de vários países em reconhecer que a transição justa precisa, sim, ir além dos fósseis. A hesitação dos países desenvolvidos em se comprometer com os recursos necessários para que essa transição aconteça de forma justa. Acompanhei alguns dos esforços da presidência da COP30 para tentar encontrar caminhos possíveis, diante dessas limitações estruturais e políticas. 

Além disso, venho aprendendo, desde Baku, sobre a política dos crachás. O crachá define aonde você pode entrar — ou não. Mas há zonas cinzentas: momentos em que os negociadores decidem que os observadores devem sair da sala, e quem tem o crachá “observador” é convidado a se retirar. Ou quando se está com um crachá “party overflow” e não se pode entrar, ou precisa sair, em razão da lotação da sala. Isso me gerou uma sensação de insegurança, uma incerteza constante sobre o direito de estar ali. Um receio de, a qualquer momento, ser impedida de acompanhar as discussões. Acho que ter ido à SB62 me permitiu compreender melhor os desafios e possíveis desdobramentos dos próximos meses até a COP30, e me fez refletir sobre os limites desse espaço à participação. 

Cristina

Marcela, Cristina e Veronica na SB62

Eu nunca participei de uma COP do Clima, e acompanhei uma vez as negociações em Bonn, há muito tempo. O foco principal das minhas pesquisas não tem sido tanto as negociações dos princípios, normas e regras internacionais, mas políticas públicas e quais mecanismos de cooperação internacional (fundos, assistência técnica/Official Development Assistance-ODA) surgem para sua implementação e como esses se refletem localmente, ou seja, como atores nacionais e locais percebem e agem a partir desses. Além disso, considero-me uma pessoa mais da biodiversidade e florestas do que do clima. Então, fui para Bonn numa atitude mais “exploratória”, com o propósito de entender as questões ligadas à financiamento, principalmente no que diz respeito às florestas e para observar como as questões da agenda do clima têm sido conectadas com as de biodiversidade e florestas. Meu temor, em relação à biodiversidade é a vida ser “capturada pelo carbono” (ou o carbono se tornar a medida de tudo).

Como cheguei somente no sábado dia 21/06, não acompanhei a negociação da agenda, mas logo soube que questões ligadas a compromisso de financiamento não seriam negociadas. Pude acompanhar vários eventos paralelos, inclusive um com a Ministra Sônia Guajajara do Ministério dos Povos Indígenas, que confirmou alguns posicionamentos, como a demanda por financiamentos diretos e com mecanismos simplificados para povos indígenas. A novidade para mim foi a ênfase nas sinergias biodiversidade-clima, com a ênfase de que fariam um inventário das ações em curso nas Terras Indígenas. Outro evento paralelo foi sobre o TFFF (Tropical Forest Forever Facility), com a presença da Embaixadora Lilian que, possivelmente será lançado na COP 30 em Belém, mas que será negociado em paralelo ao regime da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e do Acordo de Paris. Como será um fundo de investimento financeiro, não ficou claro para mim se o risco de aprofundar a financeirização e comoditização das florestas, compensará o fato de garantirem que parte do financiamento será direcionado diretamente a povos indígenas e comunidades locais. Um ponto importante será a definição de florestas e se o cerrado será contemplado. Como um fundo de renda fixa, precisará haver garantias de que os recursos não serão usados para financiar atividades com impactos socioambientais negativos. NCQG (New Collective Quantified Goal on climate finance) era algo que gostaria de ter entendido melhor ou ter visto mais, porém, como mencionado, finanças não ficou na agenda de negociações de Bonn e a maior parte das discussões em eventos paralelos parece ter sido na primeira semana.

Hannah e Cristinia conversando sobre algumas historias e sobre governanças.

No mais, acompanhar as negociações foi para mim como se fossem um “palco” ou um modelo de simulação da ONU, tomei notas e pude observar os países atuando. Após tantos anos de negociações multilaterais para mim foi surpreendente constatar que, aparentemente, pouco mudou em relação às dinâmicas Norte-Sul, atitudes coloniais, a recusa em usar termos como “move away from fossil-fuels”, a quantidade enorme de siglas e mecanismos e arranjos específicos, tornando tudo muito complexo e quase um mundo à parte. Enquanto isso, a tensão internacional cresce, democracias são ameaçadas, leilões de áreas de exploração de petróleo, incluindo a foz do Amazonas, acontecem… ondas de calor (estava um calor causticante em Bonn), enchentes, atingidos pelas renováveis…

Pontos altos para mim, ter ido duas vezes (sábado e domingo) ao Bonn Climate Camp e observar a juventude se organizando, provendo espaços de diálogo e oferecendo comida vegana de qualidade para todes, com entusiasmo e abertura. Além disso, fora do escopo do Camamazon, mas relacionado foi a oportunidade de acompanhar um pouco as e os cursistas do Kuntari Katu, um programa do Ministério dos Povos Indígenas para formar lideranças em questões globais. Mesmo enfrentando uma série de dificuldades no espaço internacional, o entusiasmo e as conversas com elas foram inspiradores. Por fim, ouvir em resposta a uma provocação de um membro do governo de Uganda que diz que prioridade deles não é mitigação, adaptação ou mudança do clima, mas educação, saúde e segurança, uma liderança da sociedade civil africana dizendo… saúde, educação, segurança, tudo isso se conecta com a mudança do clima… “climate change is a war without bullets that hit us all”.

O primeiro workshop do Camamazon: entrelaçando relações para a construção de acordos climáticos na COP30  

Em 18 de agosto de 2024, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará, em Belém, ocorreu a abertura do primeiro workshop do projeto Centralizando a construção de acordos climáticos na e a partir da Floresta Amazônica (CAMAMAZON), financiado pela British Academy.

Nesse projeto, estamos acompanhando a atuação da presidência brasileira da COP30. Esse evento é um marco para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que teve início no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. É a primeira vez que as negociações climáticas globais serão realizadas na Floresta Amazônica. Isso representa uma oportunidade única de documentar como a floresta é mobilizada em estratégias políticas locais, nacionais e internacionais para moldar a resposta coletiva. Os resultados e reflexões decorrentes dessa pesquisa serão usados como base para reconceituar o estudo das Relações Internacionais a partir da floresta e para a floresta e seus povos.

Para alcançar os objetivos do projeto e dar seguimento às suas atividades, foi organizado um workshop que mobilizou diferentes atores. As integrantes da equipe, Marcela Vecchione-Gonçalves e Veronica Korber Gonçalves, convidaram representantes de organizações locais e nacionais para participar, de forma que atuassem como intermediários entre o projeto e suas respectivas organizações, e ajudassem a identificar interesses e preocupações coletivas sobre a Amazônia, as mudanças climáticas e a COP30, para a elaboração do projeto de pesquisa e para os valores que o fundamentam. Foram convidados: Auricelia Arapiun (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB), Dr. João Nackle Urt (Ministério dos Povos Indígenas; Universidade Federal de Roraima), Professor Francisco de Assis Costa (NAEA – Universidade Federal do Pará; Painel Científico para a Amazônia – SPA) e Matheus Botelho Braga, Kimberly Silva e Neil Soares Maré Cheia (COP das Baixadas). 


Matheus Botelho Braga, Neil Soares Maré Cheia e Kimberly Silva (COP das Baixadas).

Logo no início do workhop, o projeto foi confrontado com a realidade violenta e do dia a dia enfrentado pelas lutas indígenas na Amazônia. Infelizmente, recebemos uma mensagem de Auricelia dizendo que ela não poderia se juntar a nós porque sua casa havia sido atacada e ela estava mudando sua família para um local seguro. O ataque foi provavelmente uma intimidação política por sua candidatura nas eleições locais. O choque desta notícia trouxe à tona inseguranças presentes em cada um de nós. Um exercício de reflexão pessoal, conduzido pela nossa colega de equipe do projeto Erzsebet Strausz, permitiu que esses sentimentos profundos sobre a inadequação do trabalho acadêmico diante dessa luta fossem expressos. Após nossa primeira reunião conjunta, que foi bastante impactante e comovente, a preocupação central sobre como incorporar as perspectivas indígenas na co-criação do projeto permaneceu em pauta. 

No segundo dia, tivemos as apresentações dos nossos colegas e, ao ouvi-los, fiquei muito impressionada com a riqueza e a diversidade de conhecimentos compartilhados, assim como com a forma estratégica com que esses conhecimentos foram desenvolvidos e aplicados. Nossos parceiros representantes da juventude – Matheus Botelho Braga, Kimberly Silva e Neil Soares Maré Cheia, membros da COP das Baixadas – , articularam a importância crítica de sua relação única com o rio e com as ilhas de Belém. Eles destacaram a necessidade de produzir materiais de conhecimento que legitimem sua participação nas discussões e negociações sobre adaptação climática em todos os espaços e níveis de ação política que atuam para moldar essa relação – da comunidade à COP30. Nosso parceiro representante da ciência, Professor Francisco de Assis Costa, ressaltou a inadequação dos modelos econômicos dominantes para analisar e compreender os diversos atores e processos que constituem a economia amazônica. Já nosso parceiro governamental, João Nackle Urt, descreveu como sua entrada no governo Lula representou uma oportunidade de praticar seus compromissos políticos. Como acadêmico com ampla atuação em questões indígenas, fazer parte do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas permite que ele contribua na formulação de políticas públicas e participe do debate público a partir de uma posição e perspectiva alternativas.

Para aqueles que vivem e trabalham no Brasil, e especificamente na Amazônia, o reconhecimento da importância de produzir, diversificar e agir com base em diferentes conhecimentos não é novo. Como Arturo Escobar (2008) documenta em relação à Colômbia, é necessário desafiar, a partir da periferia, os processos de dominação e criar projetos de vida alternativos. No entanto, para mim, como alguém que estudou o processo global de produção de conhecimento por meio do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), isso se destacou como algo único e essencial para tornar a ação coletiva mais reflexiva sobre a diversidade de modos de viver e conhecer. Essa diversidade ainda precisa ser adequadamente refletida na prática global de escrita sobre as mudanças climáticas. 

A comunidade acadêmica de Belém já se mobilizou para produzir conhecimento sobre o processo de negociações para facilitar o engajamento comunitário e estudantil na política da COP30. Pesquisadores do NAEA e do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Pará (UEPA) participaram das sessões do workshop para garantir que os objetivos do projeto se alinhassem e apoiassem essas atividades.

Os resultados das discussões do workshop e as principais considerações para o desenvolvimento contínuo do projeto foram apresentados em um seminário de pesquisa departamental do NAEA. O seminário ofereceu a oportunidade para estudantes de graduação em Relações Internacionais e a comunidade acadêmica mais ampla, dentro deste centro crítico de estudos amazônicos, levantarem questões e contribuírem para a formação da estrutura emergente do projeto.

Somos extremamente gratos ao NAEA por sediar este evento e pela participação e contribuição de Sabrina Mesquita do Nascimento (NAEA, Universidade Federal do Pará), Nathália Tavares de Almeida (NAEA, Universidade Federal do Pará), Suenya Cruz (NAEA, Universidade Federal do Pará / Universidade Federal Fluminense), Tienay Picanço (Universidade Estadual do Pará (UEPA)), Brenda Costa (Universidade Estadual do Pará (UEPA), Mayane Bento Silva (Universidade Estadual do Pará (UEPA).

Tecendo relações para construir acordos climáticos – Agendas de ação e de pesquisa a COP-30 em Belém – Workshop.

Ao final do workshop no terceiro dia, Marcela organizou uma visita à comunidade Pirocaba – Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos do Pirocaba (ASAPAP). Esse momento abriu o projeto para o último pilar de sua constituição: garantir que a relação com a floresta – e sua defesa como território, como comunidade viva e como modo de sustento – seja fundacional ao projeto, às suas relações colaborativas e ao seu pensamento e prática coletivos. Esta viagem nos permitiu encontrar membros da comunidade, compartilhar nossas trajetórias e esperanças para nossos projetos, e caminhar pelos parques e aprender sobre seu papel na construção e proteção da comunidade contra ameaças constantes. Daniela Araújo, a líder comunitária, falou sobre as práticas ecológicas que desenvolveram para cultivar e cuidar da terra e como elas mudaram suas relações familiares e comunitárias. As ameaças são constantes: a construção de um porto, a contaminação da água e a luta para garantir que o governo local continue comprando a merenda escolar. Mas, diante dessas batalhas diárias, um projeto de vida se concretiza. Quando soube da violência que impediu Auricelia de vir ao workshop, tive dificuldade em compreender a dimensão real dessa luta. E ali, novamente, com os pés na terra, eu senti um senso de comunidade e uma força que nunca havia conhecido antes. 

O Território Agroextrativista Pirocaba e o recém-construído centro comunitário da Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos e Artesãs do Pirocaba (ASAPAP) em Abatetuba, Pará, Brasil.

Referência:

Escobar, Arturo. 2008. Territories of Difference: Place, Movements, Life, Redes. Duke University Press. doi:10.1215/9780822389439

Bem-vindas e bem-vindos ao site e ao blog do CAMAMAZON! 

Este é o site do CAMAMAZON, um projeto de pesquisa interdisciplinar de dois anos financiado pela British Academy (ODA). Nesse projeto, estamos acompanhando a atuação da presidência brasileira da COP30, que terá como cidade anfitriã Belém. Esse evento é um marco para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que teve início no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. É a primeira vez que as negociações climáticas globais serão realizadas na Floresta Amazônica. Isso representa uma oportunidade única de documentar como a floresta é mobilizada em estratégias políticas locais, nacionais e internacionais para moldar a resposta coletiva. Os resultados e reflexões decorrentes dessa pesquisa serão usados como base para reconceituar o estudo das Relações Internacionais a partir da floresta e para a floresta e seus povos.  

A equipe do CAMAMAZON é composta por seis pesquisadoras do Brasil e da Europa, além de parceiros vinculados à juventude pelo clima, à ciência, à organizações indígenas e ao governo federal. O projeto estabelece uma colaboração entre o Departamento de Política Internacional da Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, e o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade do Pará (UFPA), em Belém. Além disso, inicia parcerias com o Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e com o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). 

Usaremos este site e o blog para documentar as atividades do projeto e compartilhar e oferecer recursos para contribuir para a compreensão, observação e participação política na COP30. Para saber mais, siga o projeto no INSTAGRAM e no BLUESKY