A equipe da CAMAMAZON reflete sobre suas experiências no SB62 em Bonn

Em junho, a maior parte da equipe do projeto CAMAMAZON viajou para Bonn para a 62ª reunião dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ou SB62. Neste blog, Matthaeus, Hannah, Veronica e Cristina refletem sobre a experiência que viveram.

Matthaeus

Eu fui até Bonn, na Alemanha, para participar da SB62 com três objetivos bem claros: refletir sobre minha dissertação de mestrado, escrever e acompanhar de perto como a presidência da COP30 está se preparando. Além disso, queria entender de forma prática como funcionam as negociações climáticas dentro da UNFCCC.

Durante uma semana intensa, participei de discussões sobre temas fundamentais como transição justa, igualdade de gênero e os relatórios do IPCC. Foi uma oportunidade valiosa para observar de perto como essas conversas acontecem: os interesses dos países, as tensões, os avanços — e, claro, os impasses.

Um dos momentos mais marcantes foi acompanhar os debates sobre gênero. Diversos países apresentaram visões muito diferentes sobre o tema. Ainda que o diálogo tenha sido rico, infelizmente a negociação não chegou a um consenso e foi adiada para a semana seguinte, quando eu já não estava mais lá.

Rotina diaria na fila para o Jantar na Climate Camp em Bonn.

Mas nem tudo aconteceu dentro dos corredores oficiais da ONU. Um dos espaços mais inspiradores da minha viagem foi o Climate Camp — uma iniciativa independente que reuniu jovens ativistas do mundo todo em um ambiente de acolhimento, troca e aprendizado. Participei de oficinas com a Marcele Oliveira (President of Youth Climate Champion), no evento sobre Multirão, conversei com pessoas incríveis, compartilhei experiências e, de bônus, jantei de graça todos os dias. Foi um espaço vivo, de resistência e conexão verdadeira.

Outro momento especial foi a conversa entre a presidência da COP30 e representantes da sociedade civil brasileira. Fiquei impressionado com a abertura para o diálogo. Não sei se outras presidências da COP costumam fazer isso, mas essa escuta ativa me passou uma sensação real de inclusão.

Uma fala que me marcou veio da ministra Sonia Guajajara, que está preparando jovens indígenas para atuarem na COP30 e trazer mais inclusão para as negociações e para o Brasil e também para fora do país.

Acredito que o Brasil tem tudo para assumir um papel de liderança na COP30, principalmente por ser o país anfitrião. Ainda que os avanços até agora sejam pequenos, são sinais importantes de esperança. Enquanto eu escrevo esse blog, eu também estou escrevendo minha dissertação e como o Brasil tem tudo para ser um líder climático.

Hannah

Meu principal objetivo na SB62 foi desenvolver uma forma coletiva de trabalho na preparação para a COP30. Há dois elementos nisso. Primeiro: o que acompanhamos nas negociações que nos dará uma janela para a presidência e para os diferentes grupos de atores nos quais estamos focados, incluindo povos indígenas, juventude e ciência? E, em segundo lugar, até que ponto precisamos de uma forma compartilhada de trabalho e um marco para guiar nossa observação e análise? O marco de formação de acordos nos oferece uma maneira particular de pensar as negociações, mas ainda há trabalho conceitual a ser feito no projeto para identificar a que nos sintonizamos coletivamente ao acompanhar o processo e o raciocínio que o fundamenta. Uma das coisas que estive preparando foi uma tabela de diferentes saberes, e eu queria experimentar uma nova forma de tomar notas para testar se isso poderia ser uma ferramenta útil para nos sintonizar com, capturar e registrar os diferentes mundos que se cruzam e constituem esses eventos.

Veronica, Matthaeus e Hannah, conversando no jardim entre as sessões.

A segunda questão é o que acompanhar. Essa pergunta nunca sai da minha mente. Pode exigir muita energia para silenciar a dúvida insistente de que eu deveria estar em outro lugar, observando outra coisa. No entanto, uma vez que estou na sala, absorvida na negociação em andamento, essa dúvida geralmente se aquieta. Desta vez, isso foi facilitado pela carta da presidência da COP30 que identificou itens da agenda sobre o Balanço Global (GST) como prioridade para a SB62. O GST é um mecanismo de revisão realizado a cada cinco anos, criado no Acordo de Paris, para avaliar coletivamente a implementação do acordo e o progresso em direção à meta de temperatura de longo prazo. Assim, o GST é fundamental tanto para revisar coletivamente o progresso quanto para aumentar a ambição ao longo do tempo, já que o resultado de cada balanço global é projetado para “informar as Partes na atualização e ampliação” de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e “fortalecer a cooperação internacional para a ação climática.” Importante destacar que esse exercício de medição está ancorado na “melhor ciência disponível”, incluindo os relatórios do IPCC, que fornecem a referência para medir esse progresso.

Venho acompanhando o Balanço Global (GST) desde a COP27. O foco atual está em entender o impacto e o acompanhamento do primeiro GST e a negociação das modalidades para o segundo ciclo do GST. Nenhum desses itens foi concluído em Bonn, o que significa que em Belém as negociações continuarão, à medida que os negociadores buscam formas de superar grandes diferenças sobre como dar seguimento aos resultados do GST sem criar um processo de avaliação do próprio processo de avaliação. Como destacaram as negociações sobre o texto de Pesquisa e Observação, a ciência que informa as negociações da UNFCCC, como por exemplo o 17º Diálogo de Pesquisa ocorrido em 17 de junho, torna-se um local central de disputa, à medida que os governos buscam identificar e/ou obscurecer a ciência que tem potencial para exercer mais pressão ou que não se alinha facilmente com sua própria posição.

Mas, como Matthaeus, um dos aspectos mais agradáveis de Bonn foi o Climate Camp. Um dos objetivos centrais do projeto CAMAMAZON é facilitar maior compreensão e participação nos processos da COP como um espaço central de formação de acordos climáticos. O Climate Camp realmente contribui para esse objetivo – criando um ponto de encontro entre ativistas, pesquisadores e pessoas da cidade e da região local, incluindo aquelas apenas de passagem, para conversa e troca de conhecimentos sobre ação climática. Fiquei particularmente grata aos organizadores do workshop sobre o GST e do “Encontro de meio de caminho” por me darem a oportunidade de compartilhar sobre o que esse processo é e o que ele pode vir a ser.

Veronica

Foi a minha primeira participação nas chamadas “reuniões climáticas de junho” da UNFCC. Cheguei com o propósito de entender, na prática, como funcionam essas sessões, afinal, é ali que se moldam as pautas que estarão na mesa na COP30. Estabeleci dois focos principais para minha participação. O primeiro foi acompanhar de perto os movimentos da presidência da COP30. Queria entender quais eram suas prioridades, suas estratégias, como estavam se articulando nos bastidores. E, nesse processo, fui ouvindo e conversando com atores da sociedade civil, do governo e diplomatas. 

O segundo foco foi mergulhar na agenda sobre transição justa. Tentei entender como esse tema — tão essencial, mas ainda em disputa — está sendo tratado. O que se entende por “transição”? Quais são os pontos de convergência e onde as discordâncias ainda travam o estabelecimento de um plano de ação e de um mecanismo global (ou outro formato institucional) sobre transição justa? 

Imagem do ECO sobre a guerra no Iran.

Foram duas semanas intensas. Havia uma agenda intensa e um pano de fundo difícil de ignorar. O ambiente era permeado por tensões — os ataques de Israel à Gaza, a guerra na Ucrânia, o conflito Israel-EUA x Irã — que não apareciam explicitamente nas falas, mas estavam ali, no ar e nos cartazes e nas vozes da sociedade civil protestando do lado de fora. E foram justamente esses movimentos e organizações que ajudaram a lembrar o sentido de tudo aquilo. Em meio aos impasses diplomáticos, eles insistiam na centralidade da justiça climática. Reivindicavam a escuta real dos territórios, das comunidades impactadas. Lembravam que não há justiça possível sem o fim da exploração dos fósseis e a luta contra a desigualdade. 

Dentro das salas, os silêncios também falavam. A relutância de vários países em reconhecer que a transição justa precisa, sim, ir além dos fósseis. A hesitação dos países desenvolvidos em se comprometer com os recursos necessários para que essa transição aconteça de forma justa. Acompanhei alguns dos esforços da presidência da COP30 para tentar encontrar caminhos possíveis, diante dessas limitações estruturais e políticas. 

Além disso, venho aprendendo, desde Baku, sobre a política dos crachás. O crachá define aonde você pode entrar — ou não. Mas há zonas cinzentas: momentos em que os negociadores decidem que os observadores devem sair da sala, e quem tem o crachá “observador” é convidado a se retirar. Ou quando se está com um crachá “party overflow” e não se pode entrar, ou precisa sair, em razão da lotação da sala. Isso me gerou uma sensação de insegurança, uma incerteza constante sobre o direito de estar ali. Um receio de, a qualquer momento, ser impedida de acompanhar as discussões. Acho que ter ido à SB62 me permitiu compreender melhor os desafios e possíveis desdobramentos dos próximos meses até a COP30, e me fez refletir sobre os limites desse espaço à participação. 

Cristina

Marcela, Cristina e Veronica na SB62

Eu nunca participei de uma COP do Clima, e acompanhei uma vez as negociações em Bonn, há muito tempo. O foco principal das minhas pesquisas não tem sido tanto as negociações dos princípios, normas e regras internacionais, mas políticas públicas e quais mecanismos de cooperação internacional (fundos, assistência técnica/Official Development Assistance-ODA) surgem para sua implementação e como esses se refletem localmente, ou seja, como atores nacionais e locais percebem e agem a partir desses. Além disso, considero-me uma pessoa mais da biodiversidade e florestas do que do clima. Então, fui para Bonn numa atitude mais “exploratória”, com o propósito de entender as questões ligadas à financiamento, principalmente no que diz respeito às florestas e para observar como as questões da agenda do clima têm sido conectadas com as de biodiversidade e florestas. Meu temor, em relação à biodiversidade é a vida ser “capturada pelo carbono” (ou o carbono se tornar a medida de tudo).

Como cheguei somente no sábado dia 21/06, não acompanhei a negociação da agenda, mas logo soube que questões ligadas a compromisso de financiamento não seriam negociadas. Pude acompanhar vários eventos paralelos, inclusive um com a Ministra Sônia Guajajara do Ministério dos Povos Indígenas, que confirmou alguns posicionamentos, como a demanda por financiamentos diretos e com mecanismos simplificados para povos indígenas. A novidade para mim foi a ênfase nas sinergias biodiversidade-clima, com a ênfase de que fariam um inventário das ações em curso nas Terras Indígenas. Outro evento paralelo foi sobre o TFFF (Tropical Forest Forever Facility), com a presença da Embaixadora Lilian que, possivelmente será lançado na COP 30 em Belém, mas que será negociado em paralelo ao regime da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e do Acordo de Paris. Como será um fundo de investimento financeiro, não ficou claro para mim se o risco de aprofundar a financeirização e comoditização das florestas, compensará o fato de garantirem que parte do financiamento será direcionado diretamente a povos indígenas e comunidades locais. Um ponto importante será a definição de florestas e se o cerrado será contemplado. Como um fundo de renda fixa, precisará haver garantias de que os recursos não serão usados para financiar atividades com impactos socioambientais negativos. NCQG (New Collective Quantified Goal on climate finance) era algo que gostaria de ter entendido melhor ou ter visto mais, porém, como mencionado, finanças não ficou na agenda de negociações de Bonn e a maior parte das discussões em eventos paralelos parece ter sido na primeira semana.

Hannah e Cristinia conversando sobre algumas historias e sobre governanças.

No mais, acompanhar as negociações foi para mim como se fossem um “palco” ou um modelo de simulação da ONU, tomei notas e pude observar os países atuando. Após tantos anos de negociações multilaterais para mim foi surpreendente constatar que, aparentemente, pouco mudou em relação às dinâmicas Norte-Sul, atitudes coloniais, a recusa em usar termos como “move away from fossil-fuels”, a quantidade enorme de siglas e mecanismos e arranjos específicos, tornando tudo muito complexo e quase um mundo à parte. Enquanto isso, a tensão internacional cresce, democracias são ameaçadas, leilões de áreas de exploração de petróleo, incluindo a foz do Amazonas, acontecem… ondas de calor (estava um calor causticante em Bonn), enchentes, atingidos pelas renováveis…

Pontos altos para mim, ter ido duas vezes (sábado e domingo) ao Bonn Climate Camp e observar a juventude se organizando, provendo espaços de diálogo e oferecendo comida vegana de qualidade para todes, com entusiasmo e abertura. Além disso, fora do escopo do Camamazon, mas relacionado foi a oportunidade de acompanhar um pouco as e os cursistas do Kuntari Katu, um programa do Ministério dos Povos Indígenas para formar lideranças em questões globais. Mesmo enfrentando uma série de dificuldades no espaço internacional, o entusiasmo e as conversas com elas foram inspiradores. Por fim, ouvir em resposta a uma provocação de um membro do governo de Uganda que diz que prioridade deles não é mitigação, adaptação ou mudança do clima, mas educação, saúde e segurança, uma liderança da sociedade civil africana dizendo… saúde, educação, segurança, tudo isso se conecta com a mudança do clima… “climate change is a war without bullets that hit us all”.