Entre as COPs e os Povos Indígenas: há algo a ser traduzido?

Entre as COPs e os Povos Indígenas: há algo a ser traduzido?

Por Veronica Korber Gonçalves e Tchella Maso

No último mês, fomos convidadas a contribuir em algumas experiências de formação envolvendo a COP30 e povos indígenas, e organizamos uma para estudantes indígenas da UnB (sobre a qual escreveremos um post específico). Isso gerou um conjunto de incomodos, como pensados na antropologia feminista, tensões, desconfortos e dúvidas que fazem parte de uma prática reflexiva do conhecimento (Haraway, 1994). A partir disso, oferecemos nesse texto uma análise do que motiva a expansão das ofertas de formação destinadas a indígenas e como essas precisam ser pensadas menos como uma tradução factível do universo “copiano” e mais uma maneira de contato e aprendizado por quem se diz “especialista” ou “representante” desse universo.

Em razão da realização da COP30 no Brasil, e mais especificamente em Belém, na Amazônia brasileira – local onde vivem atualmente mais da metade das pessoas indígenas brasileiras – há uma expectativa de que haja uma significativa participação de povos indígenas na COP. Isso se refletiu no aumento de atividades de formação, de “capacitação” sobre o regime do clima e as agendas da COP voltadas para pessoas indígenas (em especial lideranças e jovens), o que está relacionado à compreensão de que:

  • o local de realização da COP importa, ou seja, que as COPs tem uma estrutura e uma lógica de funcionamento próprio, mas que o território sede acaba por se expressar, transbordar para dentro dos pavilhões. A escolha pela realização da COP em Belém reflete essa preocupação de que a floresta esteja presente na COP. 
  • a ampliação da participação de pessoas indígenas nas COPs é uma demanda, ou seja, não apenas os diplomatas tem lugar na COP. De fato, as COPs vem se transformando, nos últimos anos, num tipo de cúpula que reúne não apenas negociadores, mas também, cada vez mais, pessoas do mundo dos negócios – em especial os lobistas dos fósseis, como denunciado nas últimas COPs -, de organizações não governamentais, juventude, governos subnacionais. Povos indígenas têm um papel muito relevante nesse processo de ampliação dos espaços e vozes nas COPs, como explicitado, por exemplo, na conquista da criação da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP).
  • a COP é um espaço de articulação que não se restringe aos espaços formais de negociação, trata-se de uma oportunidade de interação entre povos de distintas partes do globo e entre esses e outros atores internacionais. A COP se transforma em uma plataforma de promoção, reconhecimento e garantia dos direitos indígenas, do consentimento livre prévio e esclarecido e dos territórios ancestrais e suas culturas sociobiodiversas.

Em março de 2025, em diálogo com o Coletivo TYBYRA, decidimos escrever um texto – em formato de cartilha – direcionada a pessoas indígenas LGBTQIAPN+. O objetivo era explicar o que é a COP e porque pessoas LGBTQIAPN+ precisam ser incluídas na conversa. Uma reflexão iniciada em um processo colaborativo de pesquisa envolvendo construção de políticas públicas destinadas a essa população. Então, a muitas mãos, elaboramos a cartilha “Pessoas indígenas LGBTQIAPN+ e a luta por justiça climática: um lugar na mesa de negociação!” que foi lançada no Acampamento Terra Livre (ATL) em 2025.

E no fim de semana pós ATL, fomos convidadas a participar de uma atividade de formação organizada pelo Instituto Kabu para indígenas da etnia Kayapó das Terras Indígenas Baú e Menkragnoti. O convite era para que uma de nós, Veronica, tratasse de financiamento climático e a outra, Tchella, de gênero e clima.

Ambas as experiências foram bonitas e desafiadoras. Havia uma expectativa, nos dois convites, de que fôssemos facilitadoras da aproximação de pessoas indígenas com o “mundo” das COPs. Algo como que uma tradução palatável das siglas e da lógica de funcionamento das reuniões, de forma que quando as pessoas estiverem lá – ou em suas estratégias de mobilização – consigam utilizar as terminologias aceitas nesse mundo. 

Mas entre o convite, o plano e a interação real, nos vimos numa tarefa maior. Porque para falar da agenda de negociação que está na mesa em 2025, é preciso tentar explicar o inexplicável, o inconformável: a distância entre a urgência do problema e a capacidade de chegar a consensos radicais e ambiciosos. Que não, não há financiamento suficiente. Que não, não há consenso sobre a eliminação urgente da exploração dos combustíveis fósseis. E que não, nem todos poderemos entrar nos pavilhões das COPs, que se entrarmos não seremos ouvidos, e que possivelmente não compreenderemos o que está sendo dito – seja porque em inglês, seja em razão da linguagem hermética do espaço, que uma formação de dois dias ou uma cartilha não é capaz de solucionar. Então, se por um lado, acreditamos e defendemos que todos temos o direito de nos envolver, por outro, cresceu o receio de que estamos criando falsas expectativas  – como se bastasse entendermos um pouco mais essa linguagem para podermos entrar na festa, quando, ao que parece, quanto mais nos apropriamos dessa linguagem, mais vemos os seus limites. Essa talvez tenha sido a parte da nossa incomodidade. 

  Qual o sentido de “ensinar” sobre as COPs – quando o que a gente precisa é que negociadores e especialmente tomadores de decisão aprendam a ouvir essas outras vozes? Se há esforço de se apropriar e compreender o mundo das COPs, há esforço do mundo das COPs em ouvir e compreender e se transformar a partir do que dizem as vozes dos territórios?

Há um limite, portanto, entre o local de realização das COPs, agora na Amazônia, a ampliação da participação, em nossa experiência focada em pessoas indígenas, e a estrutura organizacional que orienta os ritos da negociação internacional. Não é possível comunicar o léxico “copiano” em dois dias ou algumas páginas, mas caso fosse, como esse conhecimento compartilhado incidiria na reorientação das políticas ambientais globais? Se a proporção entre mantenedores do problema e vozes de esperança são 7x desproporcionais (tomando por exemplo o número de lobistas do petróleo presentes em Dubai em comparação com a representação indígena). Como garantir que as experiências cotidianas nos territórios – de nascentes que não são mais de água pura, de chuvas intensas, secas longas, raízes que não crescem ou alimentam como antes – se transformem notícias sobre a queda do céu? Que tenham a força de produzir consensos, ampliar o financiamento e gerar medidas efetivas de mitigação e  adaptação, que se revertam em melhoria de vida nas comunidades?

Diante do incômodo com as megalomaníacas estruturas de poder, o que pode uma formação ou uma cartilha? 

A resposta não pode ser vazia, pois disso depende nosso sonho de futuro. Sem desconsiderar o papel das grandes estruturas sociais e políticas e lógicas de poder pré-estabelecidas, deslocamos a atenção para os coletivos que nos convidaram a participar e atuar como facilitadoras de um determinado conhecimento.

O que almejam as pessoas que nos convidaram a dar uma formação e organizar o saber “copiano” de forma mais acessível? Qual interesse delas na COP? O que as pessoas indígenas que participam dessas formações e que leem esses materiais desejam? Com quais objetivos e de que forma querem navegar a COP?

Isso pode significar, no caso de uma formação de dois dias ou de uma cartilha, deixar de lado toda a parafernália que possamos entender como “essencial” para tratar das COPs (ex. o histórico de negociações, as agendas de negociação, as siglas, e temas como financiamento climático e gênero e clima) e partir da realidade das pessoas, coletivos e suas necessidades. 

Isso envolve vínculo, parceria e confiança. Pode parecer óbvio, mas certamente frustra as expectativas de quem pensa a “formação de pessoas indígenas para as COPs” como um processo de “levar conhecimento a quem não tem”, de apresentar conteúdo considerado “indispensável” para se estar nesse espaço. Compreender as estratégias políticas e de mobilização que envolvem  a participação indígena nas negociações, levando em consideração aspectos como interseccionalidade e transversalidade, pode se transformar em um caminho dialógico.  Levar à sério a multiplicidade de existências que cada grupo etnico carrega talvez nos exija um profundo processo de descentramento, desaprendizagem e equivocação (Viveiros de Castro) que pode tornar a tarefa de “ensinar sobre as Cops” algo mais interessante como povoar o nosso mundo, um tanto cinza, de cotidianos possíveis, adaptações reais e alternativas cotidianas para driblar um conjunto de problemas que seguem configurando as negociações sobre clima, sendo elas ou não realizadas na Amazônia.

Talvez sejamos nós o alvo da aprendizagem e não as portadoras do saber. E se a floresta falar que tenhamos ouvidos para escutar.

Participar das COPs transformou minha visão: descobrir o meu papel como jovem na luta climática

Minha primeira COP foi a COP26. Fui com o intuito de entender o que exatamente era uma Conferência das Partes. Tive a sorte de que ela aconteceu na Escócia, na cidade de Edimburgo, já que eu estava morando no País de Gales e estudando na Universidade de Aberystwyth. Cheguei com um olhar ativista e curioso, determinado a compreender aquele universo. Infelizmente, foi um pouco difícil interagir com as pessoas, pois era um dos primeiros eventos internacionais a reabrir suas portas após o auge da pandemia de COVID-19. Havia um certo receio no ar, o que dificultava as conversas e conexões mais profundas.

Txai Surui conversando comigo na COP26

Porém, lembro que conversei com algumas pessoas incríveis, como a Txai Suruí, que conheci na COP26. Ela me deu um conselho que levo comigo até hoje: “Se você quer salvar o planeta, precisa ouvir os povos indígenas, pois são eles que estão há séculos na linha de frente defendendo as florestas. Sem eles, o desmatamento seria ainda maior.” Esse encontro me marcou tanto que, meses depois, usei esse ensinamento como base para uma apresentação que fiz no International Youth Conference (Conferência Internacional de Juventude).

A segunda COP foi a COP27, realizada em Sharm El-Sheikh, no Egito — minha primeira vez em um país árabe. Nessa edição, eu tive a minha primeira experiência acompanhando salas de negociação, o que me permitiu entender como funcionam as reuniões formais e como os países tratam temas como o que eu acompanhava: perdas e danos. Também tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas envolvidas com o movimento de juventudes, além de políticos, cientistas e jornalistas brasileiros. Já que a COVID-19 não era um problema como na ultima COP.

Juventude Brasileira na COP27.

Porem, meu unico problema era interno. Confesso que, nessa COP, me questionei bastante sobre qual era o meu papel enquanto jovem estudando mudanças climáticas e política internacional. Em alguns momentos, me perguntava por que eu estava ali. Com o tempo, percebi que muitas outras pessoas sentiam o mesmo. Muitos argumentavam que a COP, em si, não é feita para a sociedade civil ou para a juventude. No entanto, a COP27 foi um grande marco pessoal para mim. Comecei a entender os processos, me conectei com a juventude brasileira e participei da criação do CONJUCLIMA (Coalizão Nacional de Juventudes pelo Clima e Meio Ambiente, é uma coalizão de juventudes que reúne diversas organizações e representações, incluindo jovens indígenas, periféricos, ativistas, universitários, entre outros atores que compõem a esfera da juventude), uma coalizão de juventudes da qual faço parte até hoje.

Primeira reunião com a sociedade civil na COP27.

A COP28 aconteceu em Dubai. Como muitos jovens, enfrentei dificuldades financeiras para participar. Quase desisti. Normalmente, eu trabalho e guardo dinheiro específico para poder ir. Porém, desta vez, consegui hospedagens acessíveis providenciadas pela presidência da juventude da COP28, além do transporte gratuito, o que tornou viável minha participação.

Se na COP anterior eu ainda me sentia perdido sobre meu papel, nesta eu já sabia: estava ali para falar sobre a juventude. Participei de vários painéis onde pude abordar o CONJUCLIMA, colonialismo, refugiados climáticos e também falar sobre o Brasil. Esses momentos foram incríveis para mim, pois finalmente estava compartilhando temas pelos quais sou profundamente apaixonado.

A COP28 também foi marcante por outro motivo: foi a primeira em que o presidente Lula participou como presidente eleito. Ele convocou uma reunião com a sociedade civil, jovens, povos indígenas, cientistas e representantes quilombolas. Para mim, foi a maior oportunidade da minha vida. Estava ali, na frente de todos os ministros do Brasil e de tantas pessoas que representam nossa sociedade. A jovem escolhida para fazer o discurso foi a Marcelle Oliveira, que falou sobre a importância da presença jovem na tomada de decisões e apresentou um decreto elaborado por nós, jovens, propondo a implementação do CONJUCLIMA.

Marcele Oliveira entregando o Decreto Presidencial para a implementação do CONJUCLIMA.

Se na COP27 eu estava inseguro sobre meu papel, na COP28 eu me sentia confiante, com clareza sobre minha missão: compreender a juventude e comunicar suas necessidades e propostas.

Na minha última conferência, a COP29, eu fui graças a universidade de Leeds e ao Priestley centre que me ajudou muito a ir para a COP. Eu fui graças à universidade. Eu estou cursando meu mestrado em futuros climáticos (Climate Futures: Science, Society and Politics MSc). Foi a minha participação mais curta, passei uns 8 dias lá, mas também a mais intensa em termos de atividades. Fui convidado para diversos painéis, onde falei sobre meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que trata dos Conselhos de Juventude Climáticos (Youth Climate Councils) e do próprio CONJUCLIMA. Também discutimos o papel das juventudes na resiliência climática, sua influência nas decisões globais e, especialmente, no contexto dos BRICS.

Foi a COP em que mais tive oportunidades. Hoje, me sinto feliz em ver o quanto as juventudes do mundo estão organizadas e ativas nesses espaços. E reconheço que só tive essa chance porque, nas primeiras COPs, enfrentei minhas inseguranças e busquei entender meu lugar nesse processo. Durante a viagem para a COP29, passei por um grande problema no aeroporto da Turquia. Meu visto para o Azerbaijão não estava fazendo o download no site oficial, e acabei perdendo meu voo. Foi uma situação muito difícil. Mas, nesse momento complicado, recebi um apoio imenso da juventude. Mariana Maraschin (Youth Climate Leaders) , Mikaelle Farias (Palmares Lab), Alana Sales (Palmares Lab), Tabita Ayonã (Palmares Lab), Kimberly Silva (Cop das Baixadas), Alex Farias (Palmares Lab) e Rayndra Araújo (Palmares Lab) ficaram comigo no aeroporto até o último minuto, tentando resolver o problema. Eles me deram suporte emocional, ajudaram a lidar com o site fora do ar, e graças à insistência da Marina e da Mikaelle, conseguimos contato com a UNFCCC, que enviou meu visto imediatamente. Foi uma situação resolvida graças a nós, jovens, mostrando na prática como somos fortes juntos.

Youth Climate Councils Global Alliance at COP29.

No momento em que escrevo este texto, estou na lista dos 25 jovens cotados para assumir a presidência do Youth Climate Champion (PYCC) para a COP30. O mais incrível é saber que, entre esses 25, eu conheço 16 — e esses 16 são amigos que fiz ao longo dessa jornada nas COPs.

O mais bonito de tudo é que estamos nos organizando para criar uma comissão ou conselho que apoie o futuro PYCC, mostrando como a juventude está disposta a se ajudar e construir coletivamente um futuro melhor.

A COP me ensinou o que é ser jovem e entender meu papel na sociedade — e nas conferências também.

Graças a tudo isso, escrevi minha tese sobre como as juventudes se organizam ao redor do mundo para criar coletivos como conselhos, comissões, organizações ou coalizões climáticas. Resolvi focar especialmente nos Conselhos de Juventude Climáticos (Youth Climate Councils) e em como as juventudes se mobilizam para mudar e influenciar políticas climáticas — localmente, regionalmente, nacionalmente e também internacionalmente.

A juventude é um ator político extremamente influente: molda políticas públicas, impacta a educação e dialoga tanto com setores públicos quanto privados.

Nós, jovens, temos força e impacto. Somos o presente — e não apenas o futuro — da nossa geração. Somos aqueles que trazem a mudança todos os anos. Somos os primeiros a nos organizar e a nos manifestar diante dos problemas sociais. E na COP, não é diferente: nos organizamos, falamos em painéis e usamos nossas vozes nas redes sociais para influenciar outros jovens e novas gerações que estão surgindo.

Nunca foi tão fácil se comunicar sobre a crise climática como é agora — e a juventude faz isso melhor do que muitos especialistas. Mostramos a realidade das COPs de uma forma acessível, didática e humana.

Ser jovem é isso: mobilizar, influenciar e ser a mudança.

O CONJUCLIMA na reunião com a sociedade civil com o Presidente Lula na COP28.

Claro, enfrentamos dificuldades. Eu mesmo passei e sei que vou passar por muitas outras. Nem sempre temos financiamento, apoio, ou o reconhecimento que merecemos. Mas, mesmo assim, sempre estamos ali ajudando uns aos outros, acreditando na mudança e lutando juntos por um presente melhor, somos a juventude climatica.

O primeiro workshop do Camamazon: entrelaçando relações para a construção de acordos climáticos na COP30  

Em 18 de agosto de 2024, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará, em Belém, ocorreu a abertura do primeiro workshop do projeto Centralizando a construção de acordos climáticos na e a partir da Floresta Amazônica (CAMAMAZON), financiado pela British Academy.

Nesse projeto, estamos acompanhando a atuação da presidência brasileira da COP30. Esse evento é um marco para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que teve início no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. É a primeira vez que as negociações climáticas globais serão realizadas na Floresta Amazônica. Isso representa uma oportunidade única de documentar como a floresta é mobilizada em estratégias políticas locais, nacionais e internacionais para moldar a resposta coletiva. Os resultados e reflexões decorrentes dessa pesquisa serão usados como base para reconceituar o estudo das Relações Internacionais a partir da floresta e para a floresta e seus povos.

Para alcançar os objetivos do projeto e dar seguimento às suas atividades, foi organizado um workshop que mobilizou diferentes atores. As integrantes da equipe, Marcela Vecchione-Gonçalves e Veronica Korber Gonçalves, convidaram representantes de organizações locais e nacionais para participar, de forma que atuassem como intermediários entre o projeto e suas respectivas organizações, e ajudassem a identificar interesses e preocupações coletivas sobre a Amazônia, as mudanças climáticas e a COP30, para a elaboração do projeto de pesquisa e para os valores que o fundamentam. Foram convidados: Auricelia Arapiun (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB), Dr. João Nackle Urt (Ministério dos Povos Indígenas; Universidade Federal de Roraima), Professor Francisco de Assis Costa (NAEA – Universidade Federal do Pará; Painel Científico para a Amazônia – SPA) e Matheus Botelho Braga, Kimberly Silva e Neil Soares Maré Cheia (COP das Baixadas). 


Matheus Botelho Braga, Neil Soares Maré Cheia e Kimberly Silva (COP das Baixadas).

Logo no início do workhop, o projeto foi confrontado com a realidade violenta e do dia a dia enfrentado pelas lutas indígenas na Amazônia. Infelizmente, recebemos uma mensagem de Auricelia dizendo que ela não poderia se juntar a nós porque sua casa havia sido atacada e ela estava mudando sua família para um local seguro. O ataque foi provavelmente uma intimidação política por sua candidatura nas eleições locais. O choque desta notícia trouxe à tona inseguranças presentes em cada um de nós. Um exercício de reflexão pessoal, conduzido pela nossa colega de equipe do projeto Erzsebet Strausz, permitiu que esses sentimentos profundos sobre a inadequação do trabalho acadêmico diante dessa luta fossem expressos. Após nossa primeira reunião conjunta, que foi bastante impactante e comovente, a preocupação central sobre como incorporar as perspectivas indígenas na co-criação do projeto permaneceu em pauta. 

No segundo dia, tivemos as apresentações dos nossos colegas e, ao ouvi-los, fiquei muito impressionada com a riqueza e a diversidade de conhecimentos compartilhados, assim como com a forma estratégica com que esses conhecimentos foram desenvolvidos e aplicados. Nossos parceiros representantes da juventude – Matheus Botelho Braga, Kimberly Silva e Neil Soares Maré Cheia, membros da COP das Baixadas – , articularam a importância crítica de sua relação única com o rio e com as ilhas de Belém. Eles destacaram a necessidade de produzir materiais de conhecimento que legitimem sua participação nas discussões e negociações sobre adaptação climática em todos os espaços e níveis de ação política que atuam para moldar essa relação – da comunidade à COP30. Nosso parceiro representante da ciência, Professor Francisco de Assis Costa, ressaltou a inadequação dos modelos econômicos dominantes para analisar e compreender os diversos atores e processos que constituem a economia amazônica. Já nosso parceiro governamental, João Nackle Urt, descreveu como sua entrada no governo Lula representou uma oportunidade de praticar seus compromissos políticos. Como acadêmico com ampla atuação em questões indígenas, fazer parte do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas permite que ele contribua na formulação de políticas públicas e participe do debate público a partir de uma posição e perspectiva alternativas.

Para aqueles que vivem e trabalham no Brasil, e especificamente na Amazônia, o reconhecimento da importância de produzir, diversificar e agir com base em diferentes conhecimentos não é novo. Como Arturo Escobar (2008) documenta em relação à Colômbia, é necessário desafiar, a partir da periferia, os processos de dominação e criar projetos de vida alternativos. No entanto, para mim, como alguém que estudou o processo global de produção de conhecimento por meio do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), isso se destacou como algo único e essencial para tornar a ação coletiva mais reflexiva sobre a diversidade de modos de viver e conhecer. Essa diversidade ainda precisa ser adequadamente refletida na prática global de escrita sobre as mudanças climáticas. 

A comunidade acadêmica de Belém já se mobilizou para produzir conhecimento sobre o processo de negociações para facilitar o engajamento comunitário e estudantil na política da COP30. Pesquisadores do NAEA e do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Pará (UEPA) participaram das sessões do workshop para garantir que os objetivos do projeto se alinhassem e apoiassem essas atividades.

Os resultados das discussões do workshop e as principais considerações para o desenvolvimento contínuo do projeto foram apresentados em um seminário de pesquisa departamental do NAEA. O seminário ofereceu a oportunidade para estudantes de graduação em Relações Internacionais e a comunidade acadêmica mais ampla, dentro deste centro crítico de estudos amazônicos, levantarem questões e contribuírem para a formação da estrutura emergente do projeto.

Somos extremamente gratos ao NAEA por sediar este evento e pela participação e contribuição de Sabrina Mesquita do Nascimento (NAEA, Universidade Federal do Pará), Nathália Tavares de Almeida (NAEA, Universidade Federal do Pará), Suenya Cruz (NAEA, Universidade Federal do Pará / Universidade Federal Fluminense), Tienay Picanço (Universidade Estadual do Pará (UEPA)), Brenda Costa (Universidade Estadual do Pará (UEPA), Mayane Bento Silva (Universidade Estadual do Pará (UEPA).

Tecendo relações para construir acordos climáticos – Agendas de ação e de pesquisa a COP-30 em Belém – Workshop.

Ao final do workshop no terceiro dia, Marcela organizou uma visita à comunidade Pirocaba – Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos do Pirocaba (ASAPAP). Esse momento abriu o projeto para o último pilar de sua constituição: garantir que a relação com a floresta – e sua defesa como território, como comunidade viva e como modo de sustento – seja fundacional ao projeto, às suas relações colaborativas e ao seu pensamento e prática coletivos. Esta viagem nos permitiu encontrar membros da comunidade, compartilhar nossas trajetórias e esperanças para nossos projetos, e caminhar pelos parques e aprender sobre seu papel na construção e proteção da comunidade contra ameaças constantes. Daniela Araújo, a líder comunitária, falou sobre as práticas ecológicas que desenvolveram para cultivar e cuidar da terra e como elas mudaram suas relações familiares e comunitárias. As ameaças são constantes: a construção de um porto, a contaminação da água e a luta para garantir que o governo local continue comprando a merenda escolar. Mas, diante dessas batalhas diárias, um projeto de vida se concretiza. Quando soube da violência que impediu Auricelia de vir ao workshop, tive dificuldade em compreender a dimensão real dessa luta. E ali, novamente, com os pés na terra, eu senti um senso de comunidade e uma força que nunca havia conhecido antes. 

O Território Agroextrativista Pirocaba e o recém-construído centro comunitário da Associação dos Agroextrativistas, Pescadores e Artesãos e Artesãs do Pirocaba (ASAPAP) em Abatetuba, Pará, Brasil.

Referência:

Escobar, Arturo. 2008. Territories of Difference: Place, Movements, Life, Redes. Duke University Press. doi:10.1215/9780822389439

Bem-vindas e bem-vindos ao site e ao blog do CAMAMAZON! 

Este é o site do CAMAMAZON, um projeto de pesquisa interdisciplinar de dois anos financiado pela British Academy (ODA). Nesse projeto, estamos acompanhando a atuação da presidência brasileira da COP30, que terá como cidade anfitriã Belém. Esse evento é um marco para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que teve início no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. É a primeira vez que as negociações climáticas globais serão realizadas na Floresta Amazônica. Isso representa uma oportunidade única de documentar como a floresta é mobilizada em estratégias políticas locais, nacionais e internacionais para moldar a resposta coletiva. Os resultados e reflexões decorrentes dessa pesquisa serão usados como base para reconceituar o estudo das Relações Internacionais a partir da floresta e para a floresta e seus povos.  

A equipe do CAMAMAZON é composta por seis pesquisadoras do Brasil e da Europa, além de parceiros vinculados à juventude pelo clima, à ciência, à organizações indígenas e ao governo federal. O projeto estabelece uma colaboração entre o Departamento de Política Internacional da Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, e o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade do Pará (UFPA), em Belém. Além disso, inicia parcerias com o Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e com o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). 

Usaremos este site e o blog para documentar as atividades do projeto e compartilhar e oferecer recursos para contribuir para a compreensão, observação e participação política na COP30. Para saber mais, siga o projeto no INSTAGRAM e no BLUESKY